Por Ilton Giussepp Mendes
Toda ciência, quer seja ou não jurídica, tem como alicerce, princípios, que norteiam todos seus demais fundamentos, a fim de sustentar a veracidade de suas posições e postulados elaborados. Os princípios nada mais são do que ferramentas postas às mãos dos cientistas, que devidamente trabalhadas e cultivadas, são, seguramente, as bases de toda uma construção científica.
Diferentemente não se verifica com o direito penal, que apesar de possuir princípios próprios, às vezes se empresta de princípios típicos de outras ciências para introduzir em seus ordenamentos fundamentos e teorias que lhe aproveitem. Daí a existência do princípio da insignificância, onde se busca preencher um vácuo ainda existente em nosso ordenamento jurídico — a efetiva aplicabilidade das leis penais.
Pelo mesmo direito, crime é toda conduta humana, positiva ou negativa, típica e antijurídica, a que o ordenamento jurídico impõe uma sanção penal, como forma de punir o criminoso pelo ato lesivo praticado à sociedade, ainda que indiretamente, e inibir que esse ato venha a se repetir.
Entrando na seara da teoria do crime, onde muitos doutores do direito penal fizeram escola, como Beccaria, Ferrara e Asúa, peço venia em afirmar que para haver crime, impõe-se a presença obrigatória de dois elementos (culpabilidade não está incluída): tipicidade e antijuridicidade. Sendo justamente sobre a primeira, que iremos dissertar com maior fundamentação, introduzindo em seu bojo o aspecto do conflito existente entre a Doutrina Clássica e a Doutrina Moderna, no que diz respeito à conveniência, conforme as legislações processuais e penais do Brasil, de se poder aplicar ou não o princípio da insignificância no direito penal.
Assim, o tipo penal nada mais é que a descrição da conduta humana, feita pela lei, correspondente ao crime. Com isso, somente haverá crime quando o comportamento humano é, expressamente, descrito, amolda-se ao tipo penal, o que corrobora à proteção do princípio geral de direito, nullum crimen sine lege.
O tema, segundo Salles Júnior, gira em torno dos problemas com a adequação típica: saber se a conduta se ajusta a um modelo, isto é, se apresenta o requisito da tipicidade, conformidade com o tipo, e cita o entendimento de José Frederico Marques acerca da questão:
"O legislador fixa os paradigmas das condutas ilícitas que são relevantes para o direito penal, através das descrições típicas. Formulados esses tipos legais de crimes, neles devem subsumir-se os acontecimentos da vida, para que melhor se possa atribuir a dignidade jurídico-criminal. Daí a importância da adequação típica, não só no campo do direito penal, como também na esfera do direito processual penal: é o que Jiménez de Asúa, com tanto acerto, denominava de valor procesal de la tipicidad".
(Tratado de Direito Penal, v. 2, Saraiva, pág. 77)
Acontece, que para que se possa estabelecer uma relação existente entre a Doutrina Clássica e a Doutrina Moderna, acerca da aplicabilidade do princípio da insignificância no direito penal, oportuno se faz, mais uma vez, recorrermos a um outro tema: a tipicidade, de acordo com a sua concepção formal e concepção material.
Do ponto de vista formal, a tipicidade se define exatamente como outrora consignamos — o criminoso se adéqua à conduta ilícita, à conduta tipificada na lei penal, ou seja, é a mera correspondência entre uma conduta da vida real e o tipo legal do crime, que consta no ordenamento punitivo.
No entanto, segundo modernos doutrinadores, cultores da opinião de que a pena somente deve ser aplicada à pessoa humana em casos nos quais não possa ser substituída por outra sanção, deve o aplicador da lei penal se ater a uma singular consideração: o tipo penal traz em si mesmo outra "variante" - o aspecto material da conduta.
Nesse sentido, é que não basta apenas que a conduta humana esteja descrita formalmente na lei, tem-se que visualizar "algo mais": se esse comportamento humano foi, verdadeiramente, lesivo a bens jurídicos, moral ou patrimonialmente. Com isso, considerar-se-iam atípicas condutas humanas que não lesem a vida em sociedade, por serem tão ínfimas e insignificantes, não merecendo qualquer apreciação da função judiciária.
Observa-se, pois, que há uma valoração no comportamento praticado pelo "pseudo-criminoso", não bastando apenas policiar sua conduta, mas, sobretudo, ao efetivo prejuízo causado por essa atitude — é a aplicabilidade da concepção material da tipicidade, que não guarda sustento, vale ressaltar, na Doutrina Clássica da teoria do crime.
Ao legislador cabe, sobremaneira, a função de elaborar leis. Às vezes, por uma miopia, quase que permanente, não consegue enxergar o verdadeiro alcance delas, havendo necessidade do aplicador da lei corrigir essa anomalia jurídica. O tipo penal, especificamente, agrupa, em si mesmo, aspectos tão variados, que o comportamento humano pode praticar sem que estivesse na mira do legislador. A lei, quando reprime, deve guardar uma perfeição tal que impeça a condenação de alguém por uma conduta que o legislador não desejou incriminar.
Exatamente nesse aspecto que se aplica o princípio da insignificância no direito penal. Essa é a posição de Vico Mañas, a respeito da matéria:
"O princípio da insignificância surge justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal."
(O Princípio da Insignificância como Excludente no Direito Penal, Saraiva, pág. 56)
Por outro lado, o Estado-Juiz deve apenas punir aquilo que considera grave. Com efeito, assistimos a todo instante notícias de que o Código de Processo Penal e Penal devem ser reformados, reformulados seus preceitos, por estarem desgastados e desatualizados, não conseguindo sobreviver e acompanhar o "desenvolvimento" da sociedade brasileira.
Essa mudança passa justamente pela efetivação das normas penais, ou seja, torná-las mais eficazes, atuantes. O Estado não pode mais se preocupar com fatos de pouca relevância jurídica, sob pena dos acontecimentos importantes perderem espaço para aqueles, afogando, assim, o já conturbado ordenamento jurídico do país.
O princípio da insignificância, auxiliado pelo princípio da intervenção mínima, almeja, pois, desafogar a máquina judiciária, onde processos sem o menor potencial jurídico ocupam tempo e despesas processuais, de outros que, por comoverem bem mais a sociedade, deveriam andar mais celeremente.
segunda-feira, 7 de junho de 2010
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