terça-feira, 8 de junho de 2010

PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

Por Rafael Costa de Oliveira.


Luiz Guilherme Marinoni assim o conceitua: “O Duplo Grau de Jurisdição, quer dizer, em princípio que o juízo sobre o mérito deve ser realizado por dois órgãos do Poder Judiciário”.

O legislador constitucional diante a morosidade da prestação jurisdicional do processo civil brasileiro, implantou a súmula impeditiva de recursos. É imprópria essa conceituação, uma vez que a norma restritiva ao direito de recorrer, adicionada pela Lei 11.276/2006 ao art. 518, § 1° do Código de Processo Civil, concerne exclusivamente ao recurso de apelação, dessa forma, seria mais apropriado chamá-la de súmula impeditiva de apelação.

Sobre a inovação, o art. 518 dispõe que:
Segundo o art. 518, § 1° o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará da vista ao apelado para responder. O óbice ao recebimento de apelação em conformidade com as súmulas do STJ e STF trata-se de valioso regramento com a finalidade de mitigar o duplo grau, dando maior celeridade ao processo, nos casos em que os tribunais legitimamente encarregados de interpretar o direito federal e constitucional, respectivamente, já o fizeram. Estando, portanto, a sentença em conformidade com o entendimento sumulado não haveria razão para apelar. Obviamente, os juízes têm independência jurídica, subordinam-se somente à Lei, logo, não estão vinculados a decidir nos termos das súmulas, excetuadas as vinculantes, de modo que as sentenças que não estiverem vinculadas continuam recorríveis.

Como visto as principais vantagens alegadas pelos defensores do duplo grau não resistem a uma análise crítica-objetiva, haja vista serem alicerçadas em critérios subjetivos. No entanto, não se pode pugnar pela extinção do duplo grau, uma vez que os erros e falhas são inerentes à espécie humana. Não se pode deixar de reconhecer que para a efetivação da Justiça, deve existir a possibilidade de revisão dos julgados.

Ela possibilita a reavaliação de causas já julgadas em primeira instância, (jurisdição inferior) obrigatoriamente acontecerá um novo julgamento por uma jurisdição superior (denominada de segunda instância ou de segundo grau, o argumento suscitado é a maior experiência dos juízes de 2º instância, o que tornaria suas decisões mais acertadas. Referida conclusão é veementemente criticada pelos processualistas contemporâneos), caso exista recurso. Contudo, é sabido que o recurso não pode servir de instrumento de controle da atividade jurisdicional, quer seja por não ser esta a sua finalidade, seja em razão de que os juízes, independentemente de sua disposição hierárquica, se submetem à aplicação da lei, a qual é a mesma para todos, seja porque já existe um órgão competente para tal função e por fim, seja porque o cerne do instituto é outro, qual seja: oportunidade de se dar ao vencido o direito de revisão da tutela que lhe foi concedida.. Mesmo o duplo grau de jurisdição ser comum nos sistemas processuais atuais, incluindo o nosso, o princípio não é garantido na Constituição Federal. Mesmo assim, a Constituição autoriza essa prática, ao atribuir competência de recurso a várias instâncias jurisdicionais.

Podemos citar a técnica utilizada pelo legislador, o qual redigiu a seguinte redação ao inciso LXXVIII, do artigo 5º, da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Sendo assim, o legislador foi extremamente aberto. Percebe-se que ele determina uma razoável duração para a tramitação do processo, mas não determina o prazo que corresponderia a essa razoável duração; determina que sejam utilizados todos os meios para garantir a celeridade processual, mas não determina quais seriam os respectivos meios. Um dos principais argumentos desfavoráveis ao duplo grau de jurisdição é o fato de sua arbitrária institucionalização ofenderia o acesso à justiça, isto porque na maioria das vezes a sua utilização somente obsta o direito a tutela tempestiva ao invés de garantir a utopia do justo direito. “(...) se é mantida a decisão em segundo grau é inútil, se reforma demonstra divergências, dificulta a produção de provas, além de ofender a oralidade”.

O que não pode ocorrer é a sacralização do instituto, visto que compromete a efetividade do processo e a garantia ao acesso à justiça, pois na tentativa de se dar maior segurança às decisões, acarreta grande prejuízo ao jurisdicionado, ver o seu direito frustrado face à má utilização do duplo grau para postergar ao máximo a obrigação a ser cumprida pela parte vencida.

No Brasil, o sistema recursal é exercido, em alguns casos, em até quatro instâncias, de modo que não causa estranhamento os clamores sociais por mais celeridade e efetividade.

Bem como, a Carta Constitucional brasileira é analítica, o que oportuniza aos litigantes de má-fé, suscitá-la para poder recorrer até o STF com muita facilidade com o intuito de protelar o cumprimento das sentenças, onde a possibilidade de mudança através de revisão é mínima.

Cumpre aos mandatários, a despeito de mitigações benéficas como a introduzida pela Lei 11.276/2006, restringir ainda mais o campo de atuação recursal desse país, visando tornar o jurisdictio estatal mais efetivo, para que a duração razoável do processo possa ser uma realidade aos cidadãos.

Diante da exigência de uma Justiça menos formal, mais célere e em que vigora o contato Juiz - partes, aquele princípio deverá sofrer abrandamentos, de modo que não inviabilize a aplicação do direito ao caso concreto e não se torne fonte de injustiças. Desse modo, é de rigor que as Turmas Recursais dos Juizados Especiais sejam impedidas de analisar matérias de fato porventura suscitadas através da via recursal, uma vez que certamente o Juízo a quo, que conduziu a audiência de instrução, detém um conhecimento mais profundo e próximo da realidade em relação aos fatos discutidos no processo. É certo que o duplo grau de jurisdição não é incompatível com o sistema dos Juizados Especiais Cíveis. No entanto, deve ser aplicada com algumas restrições, adequando-o a esse modelo de Justiça célere e sumária.

Conclui-se o presente trabalho pela inexistência do duplo grau nas causas de "menor complexidade", por tanto, deve-se utilizar critérios semelhantes aos utilizados pelos Juizados para a definição dessas causas. O papel do juiz de primeira instância deve ser reconsiderado, visando dar maior responsabilidade para o cumprimento da sua investidura como julgador, a oralidade deve ser otimizada pelo legislador, não se pode em decorrência do duplo grau, dispensar os benefícios intrínsecos a esse procedimento.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARRUDA, Ridalvo Machado de. O Duplo Grau de Jurisdição Obrigatório: Inconstitucionalidade dos Incisos II e III do art. 475, do C.P.C.?. São Paulo: O Neófito, 1999. Disponível em: <>. Acesso em: 5 jun. de 2006.

LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Duplo grau de jurisdição no direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. 192p. (Coleção Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebman, 33).

SÁ, Djanira Maria Radamés de. Duplo grau de jurisdição: Conteúdo e Alcance Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999. 132p.

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